Autismo: revisão critica do conceito.
Resumo: O objetivo desse ensaio é analisar criticamente o conceito do autismo,
desde os estudos de Kanner, em 1942, até a ultima edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM). Também tem a
finalidade de mostrar como o autismo, inicialmente considerado sintoma de um
distúrbio de afetividade, foi transformado num dos principais diagnósticos
psiquiátricos para a criança. O trabalho busca evidenciar estudos que vieram mudar a concepção sobre o autismo,
introduziram às características já identificadas do referido distúrbio, os
problemas de desenvolvimento, afirmando que as crianças com autismo são
possuidoras de déficits cognitivos, mudando radicalmente os conceitos existentes na época, baseados nas
teorias psicogênicas.
1.
Apresentação
Historicamente,
temos acompanhado sucessivas mudanças paradigmáticas, normativas e conceituais
em relação ao autismo, que implicam, ou
deveriam implicar, em mudanças nas práticas sociais e educacionais e na saúde
das pessoas com o espectro do autista.
O
autismo caracterizado como um distúrbio invasivo do
desenvolvimento vem sendo estudado pela
ciência desde o inicio do século XX, mas
ainda é alvo de muitas divergências e questionamentos, sobretudo pela diversidade de características que
apresenta.
A palavra autismo vem do grego autos que significa
si mesmo, referindo-se a alguém retraído e absorto em si mesmo. Alguém
que caminha como que envolto em sombras, vive em um mundo próprio ao qual não
podemos chegar. Autismo é o mais grave distúrbio da comunicação humana que
compromete a socialização e a imaginação (AMA/SP, 2013)
O termo autismo foi criado inicialmente por Plouller em
1906 na literatura psiquiátrica, para descrever a perda de contato com a realidade
e o isolamento observados em adultos com esquizofrenia.( GAUDERER,1995).
Entretanto outros autores como Schwartzman, (2011)
Assumpção (2009) ressaltam que foi Bleuler, psiquiatra austríaco que primeiro
conceituou a esquizofrenia como uma doença mental, em 1911, os transtornos
esquizofrênicos caracterizam-se, em geral, por importantes distorções do
pensamento e da percepção, e por afetos inapropriados ou embotados. [1]
Em 1942, Kanner descreveu sob o nome “distúrbios
autísticos do contacto afetivo” um quadro caracterizado por autismo extremo,
obsessividade, estereotipias e ecolalia. Esse conjunto de sinais foi por ele
visualizado como uma doença específica relacionada a fenômenos da linha
esquizofrênica. Kanner observou 11 crianças de idade variando de dois anos e
quatro meses a onze anos, sendo oito meninos e três meninas. As observações
apontavam uma síndrome “única” não reportada até o momento que parece ser
suficientemente rara. Kanner publicou suas observações 30 anos mais tarde.
(Schwartzman, 2011; Assumpção, 2009; Gauderer, 1995).
A primeira edição do
DSM é uma variante da sexta versão da Classificação Internacional de Doenças
(CID), da Organização Mundial da Saúde (OMS), que pela primeira vez incluiu em
suas descrições clínicas uma seção dedicada aos transtornos mentais. O DSM-I continha um glossário de
descrições de categorias diagnósticas nas quais fazia uso do termo “reação”, o
que refletia a influência da perspectiva psicobiológica de Adolf Meyer, para
quem os transtornos mentais constituíam reações da personalidade a fatores
psicológicos, sociais e biológicos (APA, 2002). Nessa edição, a etiologia do
transtorno era notadamente levada em conta. O uso de termos como “mecanismos de
defesa”, “neurose” e “conflito neurótico” indicavam a influência da psicanálise
na construção do Manual (N. SIBEMBERG, 2011, p. 93).
O autismo aparece no DSM-I como um sintoma da “Reação Esquizofrênica, tipo infantil”, categoria na qual são classificadas as reações psicóticas em crianças com manifestações autísticas (APA, 1952). Portanto, na primeira edição do DSM o autismo não é apresentado como uma entidade nosográfica.
O autismo aparece no DSM-I como um sintoma da “Reação Esquizofrênica, tipo infantil”, categoria na qual são classificadas as reações psicóticas em crianças com manifestações autísticas (APA, 1952). Portanto, na primeira edição do DSM o autismo não é apresentado como uma entidade nosográfica.
As primeiras alterações dessa concepção surgem em 1976 a
partir de Ritvo, que passou a considerá-la como uma síndrome relacionando com o
déficit cognitivo e considerando não uma psicose e sim um distúrbio do
desenvolvimento. (Assumpção, 2009).
Ao longo dos anos o conceito do autismo
sofreu algumas modificações, entretanto em 2003, o Manual de Diagnóstico e
Estatística de Transtornos Mentais - DSM – IV- TR ™, considera o Autismo como
um transtorno abrangente do desenvolvimento que ocorre antes dos três anos de
idade. A especificidade do autismo remete às características diagnósticas
norteadoras como “a presença de um desenvolvimento comprometido ou acentuadamente
anormal da interação social e da comunicação e um repertório muito restrito de
atividades e interesses” (DSM-IV- TR ™ 2003, Pag.99)
O
DSM-IV (2003) relata que o transtorno tem prevalência de quatro a cinco
crianças em cada 10.000, com predomínio maior em indivíduos do sexo masculino
(3:1 ou 4:1) e decorrente de vasta gama de condições pré, peri e pós-natais.No
que diz respeito a sintomas associados ao Autismo, Schwartzman, (2011);
Belizario, 2010; Assunção, (2009); Silva, 2010: Gauderer, (1995): Gillberg
(1995) afirmam que 65% a 90% dos casos
de autismo estão associados a deficiência mental, havendo poucos com QI acima
de 80. Também são muito comuns alterações em nível motor, que abrangem a
hiperatividade, movimentos estereotipados automáticos e/ou condição hipotônica,
marcha atípica e ainda condutas auto e hetero-agressivas.
O Transtorno Global do Desenvolvimento não diz
respeito apenas ao autismo. Sob essa classificação descrevem-se diferentes transtornos que têm
em comum as funções do desenvolvimento afetadas qualitativamente. São eles:
Autismo; Síndrome de Rett; Transtorno ou Síndrome de Asperger; Transtorno
Desintegrativo da Infância; Transtorno Global do Desenvolvimento sem outra
especificação.
Com base no DSM.IV pode - se elaborar a seguinte síntese para o
Diagnostico Diferencial (DD).
Características
dos Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD)
|
|
TID
|
Características Clínicas
|
Autismo
(Clássico)
|
1.
Presença de 6 de 12 déficits
envolvendo todos os três domínios do comportamento que definem o espectro
autístico:
·
déficits na sociabilidade, empatia e
capacidade de compreensão ou percepção dos sentimentos do outro;
·
déficit na linguagem comunicativa e
imaginação;
·
déficit no comportamento e na
flexibilidade cognitiva.
2.
Detectável antes dos 3 anos de vida.
3.
Diagnóstico não é excluído pelo nível
cognitivo, competência ou existência de outras deficiências.
|
Síndrome
de Asperger
|
1.
Incapacidade social e de compreensão
ou percepção dos sentimentos do outro.
2.
Falta de flexibilidade com interesses
limitados.
3.
QI ≥ 70 (pessoas afetadas podem ter
inteligência normal ou superior a média).
4.
Não há atraso na aquisição da
linguagem.
|
TGD
não especificado
|
1.
Aplica-se as crianças menos acometidas,
mas que não se têm as características da síndrome de Asperger.
|
Transtorno
desintegrativo (TD)
|
1.
Desenvolvimento normal em fases
precoces, incluindo a fala.
2.
Regressão grave entre as idades de 2 a
10 anos, afetando a linguagem, sociabilidade, cognição e competência nas
habilidades da vida diária.
|
Síndrome
de Rett
|
1.
Regressão global grave em lactentes do
sexo feminino (raramente, masculino), resultando em deficiência mental grave,
perda da capacidade de comunicação e outros déficits neurológicos.
|
Fonte
- Schwartzman (2011), Assumpção (2009)
Na
literatura encontram-se freqüentemente dois termos para caracterizar o autismo:
transtorno e espectro. Para entendermos melhor esses termos busca-se definir a
sua denominação. A idéia de transtorno define uma condição onde são alteradas
qualitativamente um conjunto de capacidades no desenvolvimento comunicativo,
social e cognitivo. O termo espectro explica a dispersão dos sintomas, desse
modo, nos encontramos frente a um conjunto de sintomas semelhantes que permitem
identificar o transtorno, porém, por sua vez, apresentam uma ampla diferença
nas manifestações dos mesmos. (MATELLAN, 2012).
Ao longo de uma década esse era o conceito vigente.
Em 2013, o DSM V, define o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) como uma
única categoria de transtornos Déficits persistentes na comunicação e interação
social em diferentes contextos, bem como
padrões de comportamento, interesses ou
atividades restritos e repetitivos,
manifestados precocemente na infância (APA, 2014)
O
DSM-V propõe o que reflete um consenso científico de que quatro doenças
previamente separadas são realmente uma única condição com diferentes níveis de
gravidade dos sintomas em dois domínios do núcleo 2. O transtorno agora engloba
a anterior desordem autista (autismo) do DSM-IV, o transtorno de Asperger,
transtorno desintegrativo da infância e transtornos invasivos do
desenvolvimento sem outra especificação. O transtorno atual é caracterizado por
déficits na comunicação social e interação social e comportamentos, interesses
e atividades restritos e repetitivos ( DSMV, 2013).
Como
ambos os componentes são necessários para o diagnóstico de TEA, o distúrbio de
comunicação social é diagnosticado se comportamentos restritos e repetitivos
não estão presentes. Usando o DSM-IV, os pacientes podem ser diagnosticados com
quatro doenças diferentes. Segundo o site do DSM-V, os pesquisadores
descobriram que esses diagnósticos separados não foram aplicados de forma consistente
em diferentes clínicas e centros de tratamento. “The Neurodevelopmental Work
Group”, liderado por Susan Swedo, investigadora sênior do Instituto Nacional de
Saúde Mental, recomendou que os critérios do DSM-V para TEA seja um melhor
reflexo do estado do conhecimento sobre o autismo. Eles acreditam que um único
“transtorno guarda-chuva” vai melhorar o diagnóstico de TEA sem limitar a
sensibilidade dos critérios, ou alterar substancialmente o número de crianças
que estão sendo diagnosticadas.(DSM5).
O
Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos (NIMH), principal
financiador de pesquisas na área do país, abandonou oficialmente o DSM – V,
apenas duas semanas antes do seu lançamento, segundo comunicado escrito por seu
presidente Thomas Inse e publicado no site do Instituto (http://migre.me/eoT9G), o
NIMH irá "re-orientar sua pesquisa para longe de categorias do DSM
(MAKHOUL, 2015)
Segundo Makhoul (2015), de acordo com os critérios do DSM-V, os indivíduos
com TEA devem apresentar sintomas desde a infância, mesmo que esses sintomas
não sejam reconhecidos até mais tarde. Segundo os editores, esta mudança de
critérios incentiva o diagnóstico precoce do TEA, mas também permite que as
pessoas, cujos sintomas não podem ser plenamente reconhecidos até que as
demandas sociais excedam sua capacidade, recebam o diagnóstico. Para eles
seria, então, uma importante mudança de critérios do DSM-IV, que foi voltado
para a identificação de crianças em idade escolar com transtornos relacionados
ao autismo, mas não era tão útil no diagnóstico de crianças mais novas. Os
critérios do DSM-V foram testados em situações clínicas da vida real, como
parte dos ensaios de campo e análise do DSM-V e o teste indicou que não haverá
mudanças significativas na prevalência da doença.
Uma importante crítica foi feita por Allen Frances, quanto à
definição do transtorno e à interpretação feita acerca da mesma. Ele aponta as
três formas de sintomas descritas no Critério A para o diagnóstico:
1. Déficit de reciprocidade socioemocional;
2. Déficit em comportamentos comunicativos não verbais utilizados
para a interação social;
3. Déficit no desenvolvimento, manutenção e compreensão dos
relacionamentos;
Quanto a isso, Allen diz que “os exemplos do DSM-V oferecidos para
cada um desses três itens são vagos o suficiente para se sobre porem à
normalidade, mas eu não teria feito uma grande confusão sobre isso”. Além
disso, aponta que “a falha realmente fatal é que não são dadas instruções para
saber se um item, dois itens, ou todos os três itens devem estar presentes para
fazer o diagnóstico de Transtorno do Espectro do Autismo. O diagnóstico vai
variar drasticamente de avaliador para avaliador, instituição para instituição.
Será ainda mais impossível do que é agora para determinar as taxas de autismo e
porque eles mudam muito ao longo do tempo.
Especialistas
da APA argumentam que desse modo o
diagnóstico torna-se mais fácil e permite ao médico reduzir o tempo de
consulta, ainda que a indicação de tratamento seja, na maioria dos casos, a
mesma; o tratamento medicamentoso e cognitivo-comportamental. Por outro lado,
como vimos, leva também a um aumento do número de diagnósticos de autismo, na
medida em que não há lugar para outras subcategorias como o Transtorno de
Asperger, de Rett e Desintegrativo da Infância.
Com o DSM-5, a APA consagrará e formalizará o uso, já corrente, da “classificação” espectro autista , a despeito das consequências que daí podem advir. Milhares de observações críticas e manifestos contrários ao DSM-5 foram postados no site da APA quando os dois primeiros rascunhos do Manual foram submetidos ao comentário público, contudo sem resultados. Uma parte deles apontava a multiplicação e proliferação de categorias diagnósticas, como o manifesto “O DSM-5 e o apagamento do sujeito” afirmam especialistas da Intersecção Psicanalítica do Brasil (IPB, 2012).
Com o DSM-5, a APA consagrará e formalizará o uso, já corrente, da “classificação” espectro autista , a despeito das consequências que daí podem advir. Milhares de observações críticas e manifestos contrários ao DSM-5 foram postados no site da APA quando os dois primeiros rascunhos do Manual foram submetidos ao comentário público, contudo sem resultados. Uma parte deles apontava a multiplicação e proliferação de categorias diagnósticas, como o manifesto “O DSM-5 e o apagamento do sujeito” afirmam especialistas da Intersecção Psicanalítica do Brasil (IPB, 2012).
2.
Conclusão - As categorias diagnósticas antes presentes no
DSM, como as da Síndrome de Asperger, na classificação de autismo, desapareceram
com o DSM-5, por considerarem que o caráter inclusivo da categoria “Transtorno
do Espectro do Autismo” extingue as
diferenças entre dois quadros clínicos tão distintos. Apesar das críticas, a
quinta edição do Manual mantem todas as modificações previstas nos rascunhos. Portanto, faz-se necessária uma grande reflexão acerca do quão
efetivas são as mudanças propostas pelo novo manual. O tempo nós
dirá.....
Referencias
AMA.
Associação de Amigos do Autista. Retrieved 13/02/2013, from http://www.ama.org.br/site/en/historia.html.
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(Série: Saberes e práticas da inclusão) 1. Necessidades educacionais. 2. Aluno
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Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (C. Dornelles,
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Frances,
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JÚNIOR, F.
B. A., & KUCZYNSKI, E. Autismo
infantil: novas tendências e perspectivas. São Paulo: Atheneu. 2007
MAKHOUL,
MDP.
Práticas pedagógicas de professores de alunos autistas. Tese de Mestrado, 2015
SCHWARTZMAN,
J.S. ARAUJO, C.A. Transtorno do Espectro Autista – TEA – São Paulo: Memnon.
2011.
[1] Neste período o termo autismo era
utilizado na literatura psiquiátrica para designar uma característica da
esquizofrenia e não como um quadro clínico específico.