INTERDISCIPLINARIDADE: O RESGATE DA DIMENSÃO CUIDADORA NA PROMOÇÃO DA SAÚDE
RESUMO:
Este trabalho teve por objetivo compreender como o significado de Interdisciplinaridade é percebido pelos sujeitos que compõem a equipe de saúde da APAE de Feira de Santana, além de estimular a visão crítico-reflexivo e humanista das necessidades individuais e coletivas do conjunto social, através de estudos sobre trabalho interdisciplinar. Para o desenvolvimento do estudo foi realizada uma revisão bibliográfica para maior fundamentação teórica e apropriação do tema, e construído e aplicado um instrumento para obtenção de dados relativos à percepção destes sujeitos sobre interdisciplinaridade, cuidados e políticas públicas. O instrumento tanto reuniu dados pessoais, acadêmicos e profissionais dos entrevistados, como também a sua percepção acerca do tema. A análise dos depoimentos demonstrou que é necessária uma mudança de atitude individual e institucional para o desenvolvimento de práticas interdisciplinares. A perspectiva de interdisciplinaridade, na qual este estudo se insere, contempla o reconhecimento da complexidade crescente e a conseqüente exigência interna de um olhar plural, além de a possibilidade de trabalho conjunto, que respeite as bases disciplinares específicas, mas busque soluções compartilhadas para os problemas das pessoas e das instituições.
INTERDISCIPLINARIDADE: O RESGATE DA DIMENSÃO
CUIDADORA NA PROMOÇÃO DA SAÚDE
RESUMO:
Este
trabalho teve por objetivo compreender como o significado de
Interdisciplinaridade é percebido pelos sujeitos que compõem a equipe de saúde
da APAE de Feira de Santana, além de
estimular a visão crítico-reflexivo e humanista das necessidades individuais e
coletivas do conjunto social, através de estudos sobre
trabalho interdisciplinar. Para o desenvolvimento do
estudo foi realizada uma revisão bibliográfica para maior fundamentação teórica
e apropriação do tema, e construído e aplicado um instrumento para obtenção de
dados relativos à percepção destes sujeitos sobre interdisciplinaridade,
cuidados e políticas públicas. O instrumento tanto reuniu dados pessoais,
acadêmicos e profissionais dos entrevistados, como também a sua percepção acerca
do tema. A análise dos depoimentos demonstrou que é necessária
uma mudança de atitude
individual e institucional para o desenvolvimento de práticas interdisciplinares. A
perspectiva de interdisciplinaridade, na qual este estudo se insere, contempla
o reconhecimento da complexidade crescente e a conseqüente exigência interna de
um olhar plural, além de a possibilidade de trabalho conjunto, que respeite as
bases disciplinares específicas, mas busque soluções compartilhadas para os
problemas das pessoas e das instituições.
DESCRITORES: Interdisciplinaridade, complexidade, integralidade.
ABSTRACT
The objective of this study
was to understand as the meaning of Interdisciplinarity is perceived by the
citizens that compose the team of health of the APAE of Feira de Santana , also to stimulate
the vision criticizes, reflexist and humanist, with understanding of the
individual and collective necessities of the social set, through studies on
work to interdisciplinarity. For the development
of the study it was carried through a bibliographical revision for bigger
theoretical recital and appropriation of the subject, and constructed and
applied a relative instrument for attainment of data the perception of these
citizens on interdisciplinarity, care and public politics. The instrument
congregated personal data, academic and professional of the interviewed ones,
as also its perception concerning the subject. It analyzes it of the
depositions, it demonstrated that a change of individual attitude is necessary
and institucional for the development of you practise interdisciplinares. In
the perspective in which this study if it inserts, the interdisciplinaridad
contemplates: the recognition of the increasing complexity, and the consequent
internal requirement of one to look at plural; the possibility of joint work,
that respects the bases to discipline specific, but searchs solutions shared
for the problems of the people and the institutions.
DESCRIPTORS: Interdisciplinarity complexity, completeness.
INTRODUÇÃO
Há dez anos coordeno uma
equipe multiprofissional na APAE, uma entidade filantrópica de atenção à
saúde e à educação de pessoas com
deficiência mental e autismo do município de Feira de Santana. A equipe, com
cerca de 90 profissionais, é composta de médicos, neurologista e psiquiatra,
psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, pedagogos, assistentes
sociais, fonoaudiólogo, odontólogo, professores de educação física, professores
especializados e auxiliares, que utilizam métodos e técnicas terapêuticas
específicas, através de um conjunto de atividades individuais de estimulação
sensorial e psicomotora, visando à reeducação das funções cognitivas e
sensoriais da clientela atendida. A entidade é também campo de estágio da
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Faculdade Nobre (FAN) e do
Instituto Adventista do Nordeste (IANE) nas áreas acima citadas. Os profissionais
que nela atuam em sua maioria são cedidos pelo estado e município. Atende
diariamente cerca de 600 usuários,
provenientes do SUS, sendo que 400 destes permanecem na escola. A entidade é
uma referência de atendimento na região.
O interesse por esta temática decorre das reflexões
da minha trajetória profissional, onde percebo que a interdisciplinaridade é um
dos requisitos mais freqüentemente citados no tocante à abordagem dos problemas
da saúde. Ao
resgatar as origens da palavra saúde como inteiro, intacto, íntegro, Nunes (1995)
afirma que essa não permite a fragmentação em saúde física, mental ou social.
Minha atuação junto a esse grupo possuía um enfoque
interdisciplinar a partir de ações entre diferentes áreas profissionais e não
somente justaposições de saberes. Entretanto, percebia que nem todo o grupo
poderia ser visto como articulado e conectado em um projeto comum, apesar de
esse existir.
A metodologia selecionada refere-se a estudo analítico e descritivo de abordagem
qualitativa. Segundo Minayo (1999), na pesquisa qualitativa, o que o
investigador procura compreender e explicar são as dinâmicas das relações
sociais. Trabalha com vivências, com a experiência, com a cotidianicidade e
também com a compreensão de estruturas e instituições resultantes da ação
humana.
A pesquisa qualitativa responde a questões particulares. Ela se preocupa
com um nível de realidade que não pode ser quantificado e trabalha com o
universo de significados, motivos, aspirações e valores e atitudes.
Na fase inicial do estudo, buscou-se compreender, através de discussões
com o próprio grupo de trabalho, os entraves para o desenvolvimento das
atividades e as dificuldades das relações interpessoais. Posteriormente, foi
realizado um estudo bibliográfico para maior fundamentação teórica e
apropriação do tema.
Para conduzir a coleta e análise dos dados, foi construído e aplicado um
instrumento onde se buscou conhecer a percepção dos sujeitos do estudo sobre o
conceito de interdisciplinaridade, suas vivências, suas relações e impressões dos
demais atores do processo (colegas e usuários). Buscou-se também conhecer o que
os profissionais sabiam sobre políticas públicas.
.
1. O CONCEITO DE INTERDISCIPLINARIDADE: ASPECTOS SÓCIO-HISTÓRICOS
O conceito de interdisciplinaridade surgiu no século XX e,
só a partir da década de 60, começou a ser enfatizado como necessidade de
transcender e atravessar o conhecimento fragmentado, embora sempre tenha
existido, em maior ou menor medida, uma determinada aspiração à unidade do
saber. (ALMEIDA FILHO, 1997).
Para melhor compreender a disciplinaridade e a
interdisciplinaridade, é preciso vê-las a partir de seus condicionantes
sócio-históricos.
O advento da Modernidade, por volta do século XVII,
provocou um processo de desintegração crescente da unidade do saber. A era
moderna foi um período marcado por grande efervescência cultural, quando se
destacou Descartes, entre outros. (ALMEIDA FILHO, 1997).
Inaugurando definitivamente o pensamento moderno, ao propor
o uso disciplinado da razão como caminho para o conhecimento verdadeiro e
definitivo da realidade, Descartes formulou os princípios dessa nova forma de
produção de saberes, caracterizado por uma série de operações de decomposição
da coisa a conhecer e pela redução às suas partes mais simples. (VILELA E
MENDES, 2003).
Esse modelo é conhecido como modelo cartesiano e tornou-se
um paradigma. O paradigma cartesiano mostrou-se bastante adequado para
construir e tratar objetos simples e proporcionou uma simbiose entre ciência e
técnica, atendendo às necessidades da industrialização. Dessa maneira, abriu-se
o caminho para a fragmentação do conhecimento, uma vez que as indústrias
necessitavam urgentemente de especialistas para enfrentar os problemas e
objetivos específicos de seus processos de produção e comercialização. (ALMEIDA
FILHO, 1997).
Dessa maneira, o século XIX marca a consolidação das
especializações. Assim, a ciência ocidental se desenvolveu com base na noção de
especialização, a qual foi valorizando-se cada vez mais e, no campo das
práticas sociais, novas profissões foram criadas e um novo sistema de ensino e
formação foi estruturando-se, com base na estratégia da disciplinaridade,
caracterizada pela fragmentação do objeto e pela crescente especialização do
sujeito científico. (ALMEIDA FILHO, 1997).
Em Nunes (1995), encontramos que a formação de
profissionais de saúde, desde o início do século XX, tem sido orientada pelo
modelo fragmentador e biologicista, guardando relação com o modelo de atenção à
saúde vigente, o qual pretende oferecer à população o maior número de serviços
de saúde presos à consulta médica, que deve estar voltada a tratar as
enfermidades por meio da clínica e com a intermediação crescente de
tecnologias.
Este modelo é fundamentado no paradigma flexneriano,
baseado no Relatório Flexner, publicado em 1910, pela Fundação CARNEGIE, cujo
conteúdo principal tratou de definições de padrões para a formação básica e a
especialização medica e controle do exercício profissional. A prática das
diretrizes desse Relatório deu-se graças à aplicação financeira de fundações
privadas americanas interessadas. (MENDES, 1996)
Em Vilela (2003), apreendemos que para a superação desse modelo que está
na raiz da crise da saúde, propõe-se a transição do paradigma flexneriano para
outro, denominado de paradigma da produção social da saúde, o qual tem seus
fundamentos calcados na teoria da produção social. Tal teoria permite romper
com a setorialização da realidade e, dessa forma, a produção social da saúde,
além de responder por um estado de saúde em permanente transformação, rompe
também com a idéia de um setor saúde, erigindo-a com o produto social
resultante de fatos econômicos, políticos, ideológicos e cognitivos. “O que
significa, necessariamente, inscrevê-la, como campo do conhecimento, na ordem
da interdisciplinaridade e, como prática social, na ordem da
intersetorialidade” (MENDES, 1996)
Como observa Minayo (1994), é praticamente impossível
conceituar consensualmente a interdisciplinaridade. Para a autora, haveria duas
formas de interdisciplinaridade: uma implícita, interna, própria da
racionalidade científica que, pelo avanço de conhecimentos, acaba criando novas
disciplinas; e outra constituída externamente por campos operativos que
articulam ciência, técnica e política, sobretudo, por meio de intervenções
sociais.
2. INTERDISCIPLINARIDADE,
COMPLEXIDADE, INTEGRALIDADE.
É pertinente ressaltar a diferenciação
proposta por
FEUERWERKER e SENA (1998), entre
interdisciplinaridade, trabalho multidisciplinar e trabalho
de equipe. As autoras deixam claro que estes termos não são sinônimos e
que tratam de conceitos
relacionados e complementares. Para elas, a interdisciplinaridade implica
sempre a construção do conhecimento e a demolição de fronteiras entre as
disciplinas, enquanto o trabalho multidisciplinar é o conjunto de
conhecimentos, organização de serviços e planejamento de diversas disciplinas
na busca de solução de problemas e de maior integração das ações. O trabalho
multidisciplinar, bem como o trabalho em equipe, nem sempre colocam em pauta a
construção de um novo saber ou prática. Consideram, ainda, que o novo só se faz
com a interação democrática da diversidade, seja ela de atores, saberes,
necessidades ou práticas.
Assim, a interdisciplinaridade constitui um dos principais temas que
necessitam serem desenvolvidos para gerarem contribuição para a atenção
integral dos indivíduos. Segundo Ceccin (2005), uma
atenção integral não se dará desqualificando a cultura das populações. A
mudança deve envolver também domínio técnico, compreensão dos processos de
organização da vida e compreensão de que os eventos de adoecimento não são
apenas biológicos, são eventos de uma história de vida. A Integralidade,
inicialmente, responde a essa necessidade de os profissionais perceberem que
estão sempre lidando com histórias familiares, de vida, e não com eventos
patológicos.
Os sistemas universitários de formação tendem a produzir
especialistas dogmatizados no interior de seus paradigmas e sem flexibilidade
intelectual para dialogarem com outros profissionais de fora de sua área
específica.
Em MORIN (2002), encontramos que a tradição do pensamento
que forma o ideário das escolas elementares ordena que se reduza o complexo ao
simples, que se separe o que está ligado, que se unifique o que é múltiplo.
A interdisciplinaridade é uma das chaves para a
superação desse desafio. Propõe uma orientação para o estabelecimento da
síntese dos conhecimentos, senão chegando a um conhecimento humano em sua
integridade, pelo menos levando a uma perspectiva de convergência e interação
dialética dos conhecimentos específicos. (FEUERWERKER e SENA, 1999).
A possibilidade de uma compreensão integral do ser
humano e do processo saúde-doença, objeto do trabalho em saúde, passa
necessariamente por uma abordagem interdisciplinar.
Segundo MORIN (2002), o pensamento que recorta e isola é o mesmo que permite a especialistas e experts terem grande
desempenho, e, assim, cooperar eficazmente nos setores não complexos do
conhecimento, especialmente aqueles concernentes ao funcionamento de máquinas
artificiais.
Segundo Merhy e al (1997), o trabalho em saúde não pode ser globalmente
capturado pela lógica do trabalho expresso nos equipamentos e nos saberes
tecnológicos estruturados, pois seu objeto não é plenamente estruturado e suas
tecnologias de ação mais estratégicas se configuram em processos de intervenção
em ato, operando como tecnologias de relações, de encontro de subjetividades,
para além dos saberes tecnológicos estruturados. Ainda, segundo o autor, “o
trabalho vivo em saúde se materializa através do processo de produção de
relações entre os cuidadores e o usuário final que, com suas necessidades
particulares de saúde, dá aos profissionais a oportunidade de tornarem públicas
suas distintas intencionalidades no cuidado da saúde, tornando-se responsáveis
pelos resultados da ação cuidadora.”
Entendo que o
contexto histórico vivido nessa virada de milênio, o qual se caracteriza pela
divisão do trabalho intelectual, fragmentação do conhecimento e pela excessiva
predominância das especializações, demanda a retomada do antigo conceito de
interdisciplinaridade que, no longo dos tempos, foi sufocado pela racionalidade
da modernidade.
Japiassú (1976) levantou a possibilidade de esse neologismo tomar
sentidos amplos e diversificados, com conseqüentes entendimentos e usos.
A
interdisciplinaridade exige estruturas flexíveis; mas também implica novos
conteúdos articulados em função dos verdadeiros problemas. Enfim, postula
métodos fundados menos sobre a distribuição dos conhecimentos que sobre o
treinamento de certas aptidões e sobre o desenvolvimento de faculdades
psicológicas distintas da maioria e do simples raciocínio discursivo.
(JAPIASSÚ, 1976, p.100).
A interdisciplinaridade objetiva
“a realização do homem
como pessoa , em
todas as suas dimensões ;
a superação de individualismo ,
desesperança , desajustamentos, enfim , problemas
existenciais, oriundos de uma ótica fragmentadora; a integração
política e social
do homem no seu
meio " (LÜCK, 2002 pág. 55).
Em MORIN (2002), encontramos que o conhecimento
especializado é uma forma particular de
abstração. A especialização “abs-trai”, em outras palavras, extrai um objeto do
seu contexto e de seu conjunto.
No campo da ciência ,
a interdisciplinaridade mostra a necessidade de superar a fragmentação da produção de
conhecimento . Seu
objetivo é superar
a visão restrita de mundo
e compreender a complexidade da realidade ,
resgatando a centralidade humana na realidade e na produção do conhecimento como
ser determinante
e determinado . Representa uma nova consciência
da realidade , do pensar ,
ambicionando a troca , a reciprocidade e a integração
entre diferentes
áreas , objetivando a resolução de problemas
de forma global
e abrangente.
3. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS
Neste estudo os dados foram analisados baseados no referencial teórico
apresentado sobre a interdisciplinaridade. Os sujeitos pesquisados foram todos
os profissionais da área de saúde. Entrevistaram-se: médicos, neurologista e
psiquiatra, psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais,
psicopedagogos, assistentes sociais, fonoaudiólogo, odontólogo; entre os
profissionais da educação: pedagogo, professores de educação física, professores
especializados. Foi entrevistado também o pessoal da recepção, da
administração: assistente administrativo e economista, e da gestão: diretora
administrativa, totalizando 23 profissionais.
Minayo (1999) enfatiza que, na pesquisa qualitativa, o critério numérico
não é fator determinante de garantia de representatividade. A amostragem
representativa é aquela que abrange a totalidade do problema investigado em
suas múltiplas dimensões.
A análise dos dados seguiu o seguinte percurso: inicialmente os
depoimentos, sob a forma de comentários, explicações, sugestões, foram
transcritos e organizados por categoria profissional; em seguida, foi realizada
a leitura das respostas transcritas. Num segundo momento, passou à fase de categorização
propriamente dita, assinalando palavras e expressões que poderiam dar
significados no desdobramento das competências. O terceiro momento foi
caracterizado pela análise inferencial das categorias e dos temas emergentes
das falas dos sujeitos participantes, onde foi destacado: O significado da
interdisciplinaridade na percepção das diferentes categorias e A vivência e a
prática interdisciplinar desses sujeitos.
Dos profissionais entrevistados, 52,17 % possuem nível superior, e todos
com pós-graduação, 47,85 % nível médio, 91,30% são do sexo feminino e 8,70 % do
sexo masculino, com idades variando entre 22 anos a 54. Quanto ao tempo de
trabalho na instituição, varia entre 06 meses e 23 anos com média de 09 anos.
82,61% trabalham em outros locais, somente 17,39% trabalham exclusivamente na
APAE. 02 dos entrevistados não residem em Feira de Santana. A maioria é
funcionário da instituição, os demais são cedidos pelo Município e pelo Estado.
Em relação ao significado da interdisciplinaridade na percepção dos
sujeitos, percebemos que todos possuem algum conhecimento sobre o assunto,
entretanto alguns com conceitos equivocados. Entendam-se aqui conceitos como o
conhecimento de terminologias marcadas por referencial teórico que ajudam a
esclarecer diferenças entre as equipes multidisciplinares, interdisciplinares e
multiprofissionais. Apesar de não decisivo, sugere-se que conhecer os equívocos
nos conceitos referidos, auxilia numa abordagem reflexiva, em base
epistemológica, da auto-imagem da equipe e suas práticas.
“Quando todos os profissionais estão
dispostos a discutir os casos, encontrando melhores soluções, interligando
conhecimento” (T1).
“Para se chegar a uma saúde global,
é necessária a participação de diferentes especialistas” (T5)
“Trabalho que se faz em equipe, através
das trocas entre os especialistas e a integração entre as disciplinas
(profissões) no mesmo projeto, onde há reciprocidade, respeito e flexibilidade,
confiança, paciência etc..................” (T7)
Quanto à vivência e à prática interdisciplinar dos sujeitos da área de
saúde, a maioria as avaliou, tanto as próprias como as dos demais atores, como
positivas, atribuindo-lhes atitudes de compromisso e responsabilidade, o que
está em consonância com a perspectiva deste estudo e com o momento histórico vivido.
“Todos tem o mesmo peso e
importância na equipe” (T3)
“Existe um comprometimento de todos
os profissionais em prol da entidade que é atender bem e satisfazer o cliente”
(T2)
“Às vezes sem uma comunicação
eficaz, onde cada um desenvolve as suas ações. Poucas atividades são
compartilhadas” (T6).
Apenas 02 não se consideraram partícipes da equipe, desconhecendo os
demais profissionais e a atuação dos mesmos na equipe. Ficou implícita a
necessidade desses profissionais de conhecer as especificidades de cada um, ou
seja, conhecer o outro, por meio de suas competências específicas.
Apenas 01 deles não demonstrou interesse em estudar sobre o tema,
alegando falta de tempo para o estudo.
“A minha equipe de trabalho é
composta por mim, pela atendente e pelas recepcionistas” (T5)
“_______________________________________”
(T8)
Pôde-se perceber que havia dissonância entre a teoria e a prática, com dificuldades
para conseguir de fato chegar a abordagens interdisciplinares do processo
saúde-doença, articulando os aspectos sociais, psicológicos e biológicos dos
vários problemas abordados. Isso porque existe ainda uma tendência recorrente
de reproduzir os modelos e lógicas tradicionais, que estão exigindo um processo
de revisão crítica permanente destes problemas.
“Deveria haver estudo de situações
problemas com base em varias áreas de forma integrada, mas no momento não
disponho de tempo” (T8).
A divisão de trabalho coletivo dá-se
apreendendo os papéis a serem desempenhados pelos diferentes atores envolvidos nas
zonas de interface. Esta categoria desperta também o reconhecimento de que a
base da relação interdisciplinar pressupõe existirem disciplinas com mecanismo
interno reguladores e sistemas conceituais particularizados. (SAUPE e al, 2005)
“Considero o trabalho na APAE como
um processo de integração recíproca entre varias disciplinas e campos do
conhecimento” (P1)
“Vejo o trabalho na APAE como de uma
equipe de pessoas trabalhando por um ideal, realizando uma tarefa comum” (P3)
Da área administrativa, todos os sujeitos mostraram pouco conhecimento
sobre o tema e também não demonstraram interesse de participar de um estudo acerca
do mesmo.
“Considero a interdisciplinaridade
como analisar um objeto de estudo de uma disciplina considerando a interação
com outras............... No momento não tenho interesse em estudar sobre este
tema” (A1)
“É algo comparativamente auto
contido e isolado do domínio da experiência humana, o qual possui sua própria
comunidade de especialistas com componentes tais como dividir idéias,
conceitos, habilidades, fatos e metodologias.......................... Não
estou disposta a estudar sobre o tema” (A3)
Nos itens referentes às políticas públicas, foi demonstrado pela maioria
pouco conhecimento das mesmas como também dos princípios que norteiam, no caso,
a Reforma Sanitária, sobretudo, dentro da perspectiva da Integralidade, eixo da
reforma que justifica o trabalho de equipe. Apesar de esta pesquisa não ter
foco neste tema, este resultado suscita estudos sobre o mesmo.
“Direito universal a saúde” (T1)
“Universalidade, equidade, controle
social” (T6)
“Integralidade, Universalidade,
Equidade” (T7)
“Regularização, hierarquização,
descentralização, participação dos cidadãos, complementariedade com o setor
privado” (T8)
Considero estes resultados muito relevantes, pois sendo a saúde uma área eminentemente interdisciplinar, a década de
80 produziu o reforço do individualismo e certos profissionais aceitam com
dificuldade os caminhos participativos e de progresso social coletivo. Uma mudança
nesse aspecto poderá ser facilitada mediante o esforço de melhor compreender
que a interlocução de saberes certamente poderá levar à formação de
profissionais mais comprometidos com a realidade da saúde e com a sua
transformação.
.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entendo estas considerações como reflexivas e não como conclusivas, por
acreditar na capacidade de que o homem se transforme.
A primeira reflexão demonstra que
para a concretização do trabalho na modalidade interdisciplinar, é necessário
dominar alguns conceitos, ter oportunidade para praticá-los no trabalho em
equipe e desenvolver atitudes afirmativas de acolhimento do outro e dos outros.
Todos os profissionais de saúde de alguma maneira são cuidadores e
desenvolvem a aptidão para construção de vínculos, de oferecer ao usuário em
alguma medida os cuidados e a atenção de que ele necessita.
O não comprometimento e a alienação podem ser encarados como
conseqüentes da divisão parcelar do trabalho (disciplinarização), como também das
dificuldades na execução do trabalho coletivo. A alienação se relaciona ainda
com o descompromisso com a realidade social e seus indicadores, o que é
incompatível com os princípios da Reforma Sanitária.
Nunes e Silva (1999) ponderam em seus estudos que, quando se formam, os
grupos não passam de um agrupamento de pessoas; a sua transformação em grupos
visando um trabalho em equipe, implica em mudanças significativas e
interpessoais de sentimentos, atitudes, motivação e postura.
Para Tambellini (1994), a prática interdisciplinar, como
reconstrução do saber constituído, poderia se desenvolver a partir de duas
possibilidades que coexistem: em trajetórias individualizadas por um sujeito de
origem disciplinar que vai se apropriando de outros olhares, ampliando seu
olhar original; ou por intermédio de um processo coletivo em equipes
multiprofissionais, em que vários sujeitos de distintas disciplinas debruçam-se
em torno de um problema.
A construção
da interdisciplinaridade ultrapassa a renovação da estratégia
educativa , necessitando ser
consolidada pela reestruturação
acadêmica e institucional via
o compromisso com
a formação do profissional
adequado para prestar ,
no campo da saúde ,
atendimento eficaz , humano
e baseado nas demandas.
Em Raynout (2002), encontramos os seguintes
questionamentos: como fazer com que os profissionais que lidem com pessoas
doentes, pretendendo achar soluções para as causas de seu sofrimento físico,
compreendam o fato de a essência da pessoa humana ir muito além do seu corpo
biológico - sendo ela um ser que pensa, imagina, simboliza, vive tanto de
afetos e fantasmas quanto de alimentos materiais? Como fazer com que aqueles
especialistas cuja atuação se dirige aos indivíduos seja para curá-los ou para
educá-los – admitam o fato de cada pessoa ser inserida em redes, estruturas,
formas de pensamento coletivas que até certo ponto marcam e orientam seu comportamento?
Entendo que é um processo difícil de ser realizado. O
trabalho coletivo é muito complexo, pois cada pessoa tem sua singularidade e
seu modo peculiar de interagir.
A interdisciplinaridade é um processo de desconstrução e
reconstrução de valores e paradigmas.
Raynout também afirma que o desafio fundamental é tentar
restituir, ainda que de maneira parcial, o caráter de totalidade do mundo real
dentro do qual e sobre o qual todos nós pretendemos atuar.
Totalidade – a palavra surge cada vez que se fala de
interdisciplinaridade! Pois o mundo real, na sua essência, é total. Ele é feito
de inter-relações, interações entre os muitos elementos que o compõem.
Finalizo transcrevendo Fazenda (2002) que nos ensina
dizendo:
Uma atitude interdisciplinar é uma
atitude diante de alternativas para conhecer mais e melhor, atitude de espera
entre os atos consumados, atitude de reciprocidade que impele a troca, que
impele ao diálogo – ao diálogo com pares idênticos, com pares anônimos ou
consigo mesmo – atitude de humildade diante da limitação do próprio saber,
atitude de perplexidade ante a possibilidade de desvendar novos saberes,
atitude de desafios – desafio perante o novo, desafio de redimensionar o velho
– atitude de envolvimento e comprometimento com as pessoas, atitude, pois, de
compromisso em construir sempre da melhor forma, atitude de responsabilidade,
mas, sobretudo, de alegria de revelação, de encontro, enfim de vida.
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Mary, seu trabalho está excelente.Também sou sua seguidora.Parabéns.
ResponderEliminarObrigada Eny.
EliminarVamos ficar em contato!!!
Sds